sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Dica de filme. A Separação. Comentário de um psicanalista

"A gente "se sacrifica" por obrigações sagradas, mas esses "deveres" servem para renegar nossos desejos", escreve Contardo Calligaris, psicanalista, comentando o filme iraniano

Eis o artigo.

Nas últimas semanas, perdi a conta dos leitores que me encorajaram a comentar "A Separação", de Asghar Farhadi. Para não estragar o prazer de quem ainda não assistiu ao filme, só algumas anotações.

1) Em Teerã, num tribunal, um homem e uma mulher discutem, cada um tentando ganhar a guarda da filha. Eles tinham o sonho comum de ir embora do país (oferecendo à menina, como se diz, um futuro melhor) e já estavam com visto e autorização para viajar, mas eis que o marido desistiu do projeto porque ele deve se ocupar do velho pai, doente e demente. Adiar a viagem é impossível: a autorização que eles conseguiram logo vencerá.

A mulher quer se separar do marido, para viajar e levar a filha para o exterior, como planejado. O marido se opõe.

Provavelmente, no lugar do juiz, eu apoiaria o dever para com o velho genitor contra o sonho (quem sabe, frívolo) de um futuro diferente. Esta mulher quer o quê? Enfiar o sogro num asilo só para respirar o ar de Paris ou Nova York?

Agora, se, em vez de juiz, eu fosse terapeuta do casal, talvez não me deixasse enternecer pela "nobre" decisão do marido. Afinal, qual melhor desculpa do que um pai doente para justificar nossas desistências? É frequente: a gente "se sacrifica" em nome de obrigações sagradas e tradicionais, e, de fato, esses compromissos nos servem para renegar nossos desejos.

Você também conheceu uma tia que nunca se casou porque "teve que" criar o sobrinho cuja mãe morreu cedo? Ótimo, sobretudo para o sobrinho; mas há uma chance de que esse nobre sacrifício tenha sido o jeito que a tia encontrou para fugir de uma vida amorosa e sexual que ela desejava, mas que ela também sobretudo temia.

2) Aparentemente, é a mulher que, insensível à devoção filial do marido, pede a separação. Alguém poderia suspeitar, aliás, que ela esteja apenas se aproveitando da ocasião para decretar o fim de uma relação que talvez já tenha acabado há tempos.

Mas é possível que o verdadeiro responsável pela separação seja o marido: será que a opção de cuidar do velho pai não é o jeito que ele encontrou para forçar a mulher a querer se separar dele? Eu não fiz nada, só "tenho que" honrar meu pai, é você que não me aguenta e é você que quer se separar. É o estilo passivo-agressivo: a iniciativa sempre parece ser do outro.

3) Mesmo se eu não professasse nenhuma ideia oposta às do regime, mesmo se meu desejo sexual fosse integralmente permitido pela polícia dos costumes, eu fugiria de Teerã - apenas por saber que há direções nas quais meus sonhos seriam punidos, caso se aventurassem por lá. Também fugiria de qualquer Irã ou Cuba do mundo porque não tolero ficar num lugar de onde é difícil, se não proibido, sair.

4) O marido não é um santo, mas parece fazer uma escolha generosa: renuncia ao projeto de emigrar por fidelidade ao pai.

Mas nunca é fácil saber no que consiste a verdadeira fidelidade. No caso, ela consiste em cuidar do pai demente ou em correr atrás do que ele talvez quisesse para nós?

Ou seja, imaginemos que (banalmente) meu pai sonhasse com a minha liberdade: será que eu lhe seria mesmo fiel no dia em que, para assisti-lo, eu renunciasse a meu próprio desejo?

5) O diretor do Ministério da Cultura do Irã declarou à Folha que "A Separação" é "contrário ao sistema político iraniano", o que, segundo ele, seria demonstrado pelo sucesso do filme no Ocidente.

Bizarro, entre outras coisas, porque o filme contém uma defesa do islã popular como grande e necessária garantia moral.

Seja como for, as ditas plateias ocidentais talvez estejam um pouco cansadas de assistir a visões caricaturais de mundos exóticos, nos quais, graças a alguma tradição, sempre se sabe qual é a coisa certa.

Talvez nós, plateias ocidentais, notoriamente narcisistas, estejamos mais interessadas no cotidiano de nossa própria experiência, ou seja, no conflito nunca resolvido entre as dívidas com nosso passado e as dívidas com nosso futuro.

A dívida com o passado pode ser exigente e incômoda (como ocupar-se de um pai demente), mas ela é, por assim dizer, pacífica: estabelecida e tranquila. Enquanto a dívida com o futuro é sempre inquietante, sem resposta: qual será a viagem que devo a mim mesmo?

Caro diretor do Ministério da Cultura do Irã, não gostamos de "A Separação" porque seria anti-iraniano (que não é), mas porque conta uma história próxima das histórias da gente.

"A Separação", artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 16-02-2012.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do trabalho infantil

NOTA PÚBLICA

O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil –

FNPETI, reunido em plenária, no dia 14 de fevereiro, deliberou por

unanimidade, por manifestar ao Governo e à sociedade sua indignação

pela morte do adolescente Wendel, 14 anos, no Centro de Treinamento do

Vasco da Gama em Itaguaí - RJ, no último dia 09 de fevereiro.

É inaceitável que, os clubes formadores não assegurem aos adolescentes

que se candidatam a uma vaga nas suas equipes de base, tratamento

humano e digno como determinam a Constituição Federal e o Estatuto da

Criança e do Adolescente.

As circunstâncias em que ocorreu a morte, revelam uma vez mais a

negligência, o descaso e o desrespeito com que a maioria dos clubes

formadores tratam os adolescentes que participam das suas peneiras.

Exigimos que, as autoridades responsáveis por disciplinar as práticas

esportivas no Brasil apurem os fatos e tomem todas as providências

para responsabilizar os culpados pela morte prematura de Wendel que

sonhou, como centenas de outros ainda sonham em se tornarem craques

do futebol.

É urgente que, novas práticas orientadas pelo princípio da Proteção

Integral e pela garantia dos direitos humanos de crianças e

adolescentes à vida e ao desenvolvimento pleno sejam adotadas pelos

clubes formadores e garantidas pelo Estado, pela sociedade e pelas

famílias.

Brasília, 16 de fevereiro de 2012

Secretária Executiva do Fórum Nacional – FNPETI

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Crianças indianas colhem os frutos amargos do endosulfan

Em alguns vilarejos de Kerala, metade das famílias têm uma criança com deficiência grave: legado, dizem os moradores, da pulverização de pesticidas.

Os moradores do vilarejo veem a poeira subindo da pista e sabem que o Dr. Mohammed Asheel está a caminho.

Em uma pequena casa afastada de uma estrada principal cercada por plantações de castanhas de caju, Chandika Rai pega seu filho de 11 anos, Kaushiq, e o carrega para a sala da frente da casa.

Por 30 minutos, enquanto o médico, uma enfermeira e um fisioterapeuta estão lá, a sua vida é um pouco mais fácil. Depois que a equipe médica vai embora – para uma casa vizinha, onde outra criança seriamente incapacitada está esperando –, Chandika fica sozinha novamente.

O Dr. Asheel tem uma grande demanda no Kattuka, um amontoado de casas de cimento e madeira em uma encosta de terra vermelha e luxuriantes árvores verdes no extremo norte do estado indiano de Kerala. Em 50% das casas do vilarejo, há uma criança ou um adulto com sérias deficiências.

O médico de 29 anos, funcionário do departamento de saúde pública, e os moradores culpam o endosulfan, um pesticida desenvolvido nos anos 1950 e pulverizado sobre as plantações de caju vizinhas nos anos 1980 e 1990.

Os ativistas dizem que a situação das milhares de pessoas como Chandika e Kaushiq significa que o envenenamento por endosulfan no sul da Índia é um dos desastres mais graves desse tipo no mundo – e um dos menos conhecidos.

Em setembro, a Suprema Corte indiana deu continuidade à proibição do uso de endosulfan que havia sido imposta no início deste ano. Rejeitando os argumentos de dezenas de produtores, que dizem que não há ligação entre o pesticida e as deficiências observadas em Kerala e no estado vizinho de Karnataka, os juízes mantiveram a moratória sobre o uso do produto químico na Índia.

Eles, no entanto, permitem que as empresas indianas vendam os estoques existentes para o exterior, para os raros lugares onde o produto ainda é legal. A decisão não conseguiu aplacar a crescente raiva dos moradores de lugares como Kattuka.

"Fiquei muito feliz quando ouvi sobre a proibição", disse Rai, de 35 anos, enquanto amamentava seu filho. "Nós sofremos muito, e eu não quero que ninguém sofra no futuro como nós. Mas por que demoraram tanto? E por que ninguém foi punido?".

A reportagem é do sítio do jornal The Guardian, 11-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.